20 de abril de 2010

Nada é por acaso


Parte 2/6

Américo e Soraide passaram de meros desconhecidos, a amigos. Amigos na perfeita acepção do termo. Amizade fiel, duradoura e que acabou despertando o ciúme de muitos.

Elas, porque sabiam que aquele branquelo russo não mais atendia a todos de maneira igual e atenciosa. Eles, porque Soraide estava sabendo contornar bem a sua timidez e que se entregava aos encantos do “gringo”.

O tempo foi passando, a cumplicidade aumentando e por ironia do destino, D. Zoca, mãe de Soraide, a mesma que recepcionou a família de Américo quando chegaram em Mundo Quadrado, foi escolhida para ser a chef do banquete montado para celebrar aquele noivado que tinha iniciado logo após o término dos estudos do colegial.

Era uma nova fase. Novos tempos. E a vida parecia escancarar as portas para o casal recém formado. Américo entrou na faculdade de Relações Políticas Filosóficas. Soraide era caloura de Agronomia.

Projetos, sonhos, incertezas, certezas, dúvidas, prazeres, alegria, tristezas... uma cachoeira de sentimentos envolveu aquele casal que parecia ter sido feito um para o outro. As pessoas se perguntavam como poderia haver tamanha cumplicidade naqueles jovens. Estavam felizes e não faziam questão de esconder isso de ninguém.

Agora formados, após o período de faculdade em que estudaram na capital, Mundo Quadrado se tornara pequeno. Era preciso alçar novos voos, novas conquistas gritavam para serem atingidas. Metas, objetivos, planos. Tudo estrategicamente alinhado.

Américo era um perfeccionista e Soraide sabia que poderia confiar no que era discutido e planejado. O mundo abria as suas portas e as trincheiras da vida esperavam pacientemente para delimitar território.

Sim, a vida definitivamente começava para aquele filho de russos e a filha de trabalhadores rurais. Mas o cenário era outro. As dificuldades que não existiam, agora batem à porta. Aquele casal de noivos já não existia mais. Agora, já eram marido e mulher. Formados. Mas o que fazer agora?

O mundo passava por uma grave crise financeira. As bolsas asiáticas haviam quebrado e a recessão causou um grande impacto na economia mundial. As empresas fecharam e o mercado de trabalho era extremamente escasso.

As economias dos pais de Soraide e Américo não mais conseguiam cobrir o custo de vida do casal. Outra alternativa não restou, a não ser recolher a bagagem e voltar para Mundo Quadrado.

Tristeza? Talvez! Mas Américo e Soraide sempre tiravam lições das dificuldades enfrentadas. “Para tudo na vida, sempre existe o lado positivo”, filosofava Soraia. Américo concordava. Afinal, havia saído do distante país gélido e encontrado, do outro lado do mundo, uma oportunidade de recomeço e o amor da sua vida. Agora, era Américo quem filosofava: “Toda a mudança é fecunda!”

As dificuldades pareciam pairar sobre a vida daquele casal, mas a alegria e a cumplicidade de ambos estavam blindadas.

Incrível era constatar que enquanto havia pessoas desesperadas por estarem perdendo todos os seus bens e economias, Américo e Soraide estavam felizes. Preocupados, era óbvio. Mas felizes. Uma felicidade contagiante. Blindada. Sincera.

Américo, enfim, conseguiu um emprego. Uma das empresas de minério que existia em Mundo Quadrado estava precisando, pasmem, de um tradutor russo. Uma grande quantidade de bauxita havia sido encomendada por um consórcio de empresas soviéticas e era necessário um intermediador para que não só elaborasse a minuta daqueles contratos, como também, assessorar os envolvidos. Mesmo com a crise instalada, ainda havia espaço para negócios e investimentos. Américo sentia que sua vida havia começado a engrenar.

Soraide voltou a estudar. Preparava-se para um mestrado, já que não conseguia emprego em sua área na região. Os grandes fazendeiros haviam perdido muito dinheiro com a crise, o que causou uma onda de demissão na cidade. O trabalho estava escasso, mas isso não perturbou aquela mulher de olhos serenos, pele aveludada e uma timidez que mesmo amenizada pela convivência com Américo, ainda resistia ao tempo.

Estavam felizes. Aliás, estupidamente felizes. Insuportavelmente felizes. Era incrível. Não havia crise no mundo que conseguia afetar aquele casal.

Américo, com seu trabalho, já conseguia manter as despesas da casa e ainda ajudar seus pais, já idosos e sem forças para trabalhar. D. Zoca também era uma exímia e feliz trabalhadora. Não reclamava das adversidades da vida e sempre as encarava com muito humor e alegria. Seu marido, o “Seu Padim”, continuava a trabalhar no campo. Já não mais conseguia vender seus produtos como antigamente, mas também não deixava a família passar necessidades.

A empresa de minério que Américo trabalhava começou a exportar grande quantidade de bauxita e foi preciso aumentar a mão de obra. O comércio de Mundo Quadrado voltou a aquecer. Postos de trabalho voltaram a ser abertos e o dinheiro voltou a circular. Tudo, na contramão da crise que assolava todo o mundo.

Com o comércio em alta e dinheiro (muito) circulando, Américo e Soraide chegaram a conclusão de que nada é por acaso. Afinal, haviam deixado a cidade para estudar e não mais planejavam voltar. Tinham como idéia, conseguir um bom emprego na capital, já que competência e inteligência tinham de sobra. Mas como diria um famoso escritor tailandês, “a vida é uma caixinha de surpresas...”

Uma oportunidade de emprego surgiu numa região distante de Mundo Quadrado para Soraide. Empresas de reflorestamento precisavam de um recém formado na área agrônoma para início imediato, com um salário acima da média para os padrões da época. Soraide estava extasiada, porém, preocupada. Como seria uma relação a distância entre ela e Américo?

Aquele final de semana era decisivo para as futuras pretensões do casal. Soraide, com uma excelente proposta de emprego, porém, longe de Mundo Quadrado. Américo, já num alto cargo dentro da mineradora, também ganhava muito bem. O que decidir?

No decorrer da conversa, Soraide não se sente muito bem. Indisposta, pede para deitar um pouco. Américo, preocupado, chama o Dr. Silas, vizinho da família.

Muito atencioso, Dr. Silas examina Soraide meticulosamente e, num primeiro momento, receita apenas um chá de ervas medicinais, comum na região, para combater indisposições do tipo gastrointestinal.

A conversa em relação ao futuro do casal é adiada, mas a indisposição de Soraide preocupa a todos. Américo já não mais trabalhava, preocupada com a amada. Soraide estava de cama e Dr. Silas pediu exames mais apurados para detectar o motivo das queixas da filha da D. Zoca.

No início da noite de terça-feira, Dr. Silas bate à porta do casal. Américo abre a janela do quarto e avistou o médico que segurava um envelope branco na mão. “Américo, saiu o resultado dos exames da sua esposa!”

Ao abrir a porta, Américo estava tenso e preocupado. Dr. Silas o desarma. Abre um imenso sorriso e abraça Américo. “Soraide está grávida!”

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